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15 de Abril de 2021

É Oficial: A Felicidade está na moda nas empresas – Game Changer 12

Demorou cerca de 4 décadas a passar de rejeitada nas revistas científicas e entendida como não científica pelos investigadores e pelas investigadoras mais tradicionalistas, entrincheirados nas universidades, para estar nas bocas do mundo. Houve académicos que a rebatizaram – chamando-lhe, por exemplo, bem-estar subjetivo – para que os seus estudos empíricos fossem aceites pelos exigentes jornais científicos. A palavra felicidade estimulava julgamentos prontos de superficialidade, falta de cientificidade, uma espécie de perfume a new age.

Desde aí foi um caminho árduo e muito solitário de alguns teóricos para a tornarem digna de ser olhada com rigor, e aceite pelos mais resistentes e céticos, até ao início deste século ver o interesse mundial na investigação sobre a felicidade explodir de formas inusitadas, talvez imprevistas, e manobrar dimensões tão diversas quanto a felicidade individual, a organizacional, a comunitária, a das nações.

Daí foi um passinho até interessar aos/às ávidos jornalistas, aos divulgadores da ciência, a quem está no quotidiano do trabalho com pessoas e a quem maneja com a mudança humana, e um ápice até entrar na linguagem das organizações, e depois nas suas práticas. Hoje, está instalada até nas políticas organizacionais.

Neste tempo de assombrosa e inquietante inovação que atravessamos, temos até funções específicas para conseguir fazer florescer (um termo muito caro aos investigadores destas áreas) a felicidade dos trabalhadores, como acontece com os Chief Happiness Officers (CHO). Sem descritores de função esclarecidos nem definidos, estes novos fazedores da felicidade aventuram-se em experiências coletivas que assegurem que os colaboradores estão suficientemente felizes para produzir mais, estarem comprometidos com a organização, serem mais colaborativos e dedicados, terem menos baixas médicas e menos turn-over, serem melhor avaliados pelos supervisores e chefias, produzirem bons efeitos sobre os clientes… tudo dados que a ciência confirma. Mas de que tipo de felicidade falamos? Que dimensões de felicidade estamos a promover, e como é que elas se liga com o bem-comum, com uma cidadania global, com um propósito maior?

Preocupados com a resposta a estas questões, vamos defendendo, com a mais viva determinação, que é fundamental assegurar que, nesses territórios e geografias humanas que são os espaços laborais:

1 – O que se faz em nome da felicidade deve ser enraizado na ciência.

Para tal, quem assume estas novas funções de CHO deve formar-se na ciência da felicidade, usufruindo de décadas de dados empíricos sobre o que funciona ou não, o que otimiza a felicidade ou a destrói, porque se deve escolher aquela prática organizacional e não outra;

2 – A felicidade apregoada no meio laboral deve ter um enfoque sistémico e ter em conta todas as práticas da organização.

Concretizar ações para que os colaboradores se sintam melhores e mais alegres, leves ou animados, sem avaliar e intervir na qualidade das lideranças, na justiça e equidade, interna e externa, na entrega das compensações, no cuidado em manter o contrato psicológico e um vínculo contratual estável, na coerência interna entre valores anunciados e praticados, na conciliação vida pessoal e profissional, na dignidade de trato com cada profissional, entre tantas outras dimensões do comportamento e cultura das organizações, só trará críticos e resistentes à entrada da felicidade como tema e prática no âmbito laboral.

3- Só uma felicidade pública é contributiva para um coletivo viável.

Pensar e agir a felicidade enquanto um mero atributo individual pode ter como consequências práticas tão tristemente conhecidas como a corrupção, ou um diferencial desumano nos salários entre quem está no topo e nas bases, ou mesmo uma competitividade destrutiva de sentidos cívicos, colaborativos, recíprocos, compassivos, autênticos e fraternos, tão importantes quanto gritantemente urgentes. É a prática das virtudes, enraizada na ética, que enriquece tudo o que é bem-comum, e que fará da felicidade um recurso genuíno e realmente mobilizador do melhor das pessoas e dos coletivos.

4- A felicidade, na sua dimensão pública, tem de andar de mãos dadas com a paz.

Desqualificamos esta dimensão humana da harmonia coletiva, e consideramos que, na melhor das hipóteses, promover a paz corporativa é reduzir ao mínimo o conflito intra e interorganizacional, ou gerir bem os litígios e divergências. Mas só uma perspetiva de paz positiva, em que Portugal é exemplo para o mundo (mantivemos o honroso lugar de 3º país mais pacífico do mundo, no relatório deste ano do Global Peace Index), pode ajudar a emparelhar a felicidade com dimensões vitais para futuros viáveis e colas que realizem a coesão pública: a justiça social, a cidadania global, a sustentabilidade ecológica, a economia ética, a igualdade e a equidade, a proteção dos recursos comuns.

O conceito complexo de eudaimonia aristotélica é a raiz da felicidade pública. Tem uma natureza “social” e é o resultado da prática das virtudes. Interpretada e traduzida como “florescimento humano e relacional”, eudaimonia significa a realização da verdadeira, genuína e boa natureza da pessoa. Tal realização não é alcançada através da mera busca da felicidade individual e hedónica, mas apenas alcançada no contexto da comunidade – a polis grega – e requer a participação na vida civil e política da cidade, da comunidade, do coletivo.

Engrandecer a felicidade significa assim levá-la de braço dado com valores e ações maiores, que venham a assegurar que nenhum/a de nós seja feliz enquanto outro ser humano ao nosso lado não o for. Se queremos apenas uma felicidade privada, nossa e própria, desligada de um sentido de coletivo, corremos o risco de defraudar todos e todas os que deram a vida para que ela fosse cada vez mais possível para um maior número de pessoas. Torná-la-emos apenas mais um “bem programado”, se a sua procura se tornar, como está a acontecer, muito mais relevante do que bordar o compromisso ético de lidar com o mundo da miséria, da pobreza, da injustiça, da desigualdade, da violência, da desumanização.

Por isso defendemos: Que não se perca a sua dimensão pública. Com o que sabemos hoje pelas mãos da ciência, parece ser por aí o caminho para uma melhor e mais profunda humanidade

 

Helena Águeda Marujo
Professora, Psicóloga e Investigadora

Descarregue aqui a 12ª Edição da Revista Game Changer

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