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3 de Dezembro de 2021

Entrevista com Sérgio Lorga – Game Changer 14

1 – O que é a Vissaium XXI?

SL – A Vissaium XXI – Associação para o Desenvolvimento de Viseu é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, que se propõe dinamizar o ecossistema regional de inovação e empreendedorismo, tendo como fundadores a AIRV, o IPV, o Instituto Piaget e o núcleo de Viseu da Universidade Católica. A sua incubadora, o V21- Centro de Incubação Tecnológico de Viseu, terá capacidade para acolher 212 empreendedores e integrará diferentes valências, espaços e serviços incluindo um Fablab.

2 – O que há de novo no empreendedorismo, nesta nova fase de recuperação da pandemia?

SL – Vivemos tempos muito desafiantes e os estímulos são muitos: a transição digital, a transição climática, novos hábitos de trabalho e de relacionamento social, o desafio demográfico, a telemedicina e assistência remota, a personalização das experiências dos clientes/utilizadores, a utilização da ciência dos dados e algoritmos preditivos, a integração dos canais online e offline em multiplataformas (omnicanal), automatização de processos através de bots e chatbots, ferramentas de robotic process automation, etc.

3 – Nestes tempos com tantas mudanças, o que deve caraterizar o apoio das incubadoras?

SL – Na verdade, o espírito do trabalho que se faz é o mesmo. No nosso caso procuramos combinar metodologias e instrumentos de aceleração de projetos com a afirmação de uma cultura criativa, inspiradora e combativa, levando os empreendedores a ousarem concretizar os seus projetos, reconhecendo que sempre que há mudanças há oportunidades!

4 – A Vissaium XXI realizou recentemente um programa de aceleração. Registaram-se alterações no modelo de funcionamento por causa da pandemia?

SL – Sim, é interessante referir que o programa de aceleração que chamámos “Viseu dá tudo!” decorreu em modelo misto, combinando o formato presencial com o online. Acabou por ser um desafio logístico maior, requerendo meios técnicos e humanos para gerir equipamentos, conteúdos audiovisuais e comunicações, que não eram comuns anteriormente. As alterações sentiram-se, desde logo, na gestão dos oradores convidados das entidades parceiras, a Beta-i, a Deloitte e a IBM/Softinsa, tendo sido possível maior flexibilidade na gestão das presenças em sala, em Zoom ou em modelo misto. Mas o mais importante é que este formato permitiu a adesão de projetos de várias origens.

5 – Nomeadamente?

SL – Projetos só de Viseu, equipas mistas em lógicas presenciais e online, projetos com equipas só em formato online, mas em que os membros estavam situados em países diferentes, nomeadamente no Brasil, na Alemanha e no Canadá. Por exemplo, o projeto Safe Food Tech, que foi considerado pelo júri o “Melhor Projeto” e a “Ideia Mais Inovadora”, é constituído por um empreendedor de Viseu e empreende- dores localizados em várias cidades brasileiras. Recordarei sempre a sua participação nas sessões de sábado às 9:30 em Portugal em que se via através do Zoom o escuro da madrugada nas janelas dos empreendedores que estavam no Brasil. É preciso muito compromisso para acordar aos sábados às 4:00 da manhã para participar num programa de empreendedorismo…

6 – Registaram-se alterações no tipo de projetos participantes?

SL – Sim, para não ser exaustivo destaco os dois projetos de base tecnológica que foram distinguidos pelo júri. O primeiro, o já mencionado Safe Food Tech, que pode ser revolucionário na área alimentar uma vez que utiliza uma tecnologia que elimina a toxicidade dos alimentos fazendo com que tenham as caraterísticas dos produtos biológicos. O segundo, a PrimerGen, atua na área da biofarmacêutica. Promovido por dois cientistas portugueses na diáspora, um no Canadá e outro na Alemanha, o projeto consiste num medicamento antiviral para a COVID-19, para ser ministrado por toma oral e que pode chegar a doentes que não podem ser vacinados, como por exemplo pessoas com cancro, e que foi considerado pelo júri como “Melhor Pitch”. Estes dois projetos são muito inovadores, promovidos por equipas muito qualificadas, são escaláveis e inserem-se nas áreas da sustentabilidade e da saúde, que são e serão preocupações incontornáveis da nossa sociedade.

7 – E Projetos na áreas da TICE, onde Viseu tem registado uma forte aposta?

SL – Projetos como a Beauty Booking, Amantes do Vinho, @tive-se ou Funerais.pt, são exemplos de modelos de negócio baseados em aplicações, plataformas ou marketplaces digitais.
Contudo, a pergunta leva-me a outra reflexão sobre o envolvimento de pessoas da área das TICE em novos projetos de empreendedorismo. O que se tem assistido é uma forte captação de recursos para empregos relativamente bem remunerados, oferecidos por empresas bem implantadas no mercado e com projetos internacionais. Esta combinação de fatores é muito aliciante, notando-se, face a realidades de anos anteriores, uma diminuição do número de pessoas com estas competências envolvidas em novos projetos.

8 – Isso é um problema para o Empreendedorismo em Portugal?

SL – Creio que não, pode diminuir o fluxo de projetos que se iniciam, mas, como verificámos recentemente no programa de aceleração, pode não ter reflexos na qualidade dos que se apresentam, no seu potencial inovador, no compromisso das equipas e no conhecimento do mercado. E tudo isto são aspetos decisivos para um bom projeto empresarial.
Por outro lado, o empreendedorismo também é reflexo de uma expressão de liberdade de quem tem iniciativa e essa só será completa se baseada na ambição de ter impacto no que se faz e não no medo das consequências de estar desempregado, como acontecia mais frequentemente na crise anterior. Aprende-se muito a trabalhar em empresas dinâmicas, em grandes organizações com clientes
em vários mercados.

Podem ser Intraempreendedores?

SL – Exatamente. Esses serão mais valorizados e premiados pelo seu desempenho e no futuro os que sentirem aquela inquietação que não desarma, que acontece muitas vezes próxima da chamada crise dos quarenta, podem arriscar começar novos projetos. Nessa altura estarão preparados para liderar novos projetos, terão experiência, capital, networking e conhecimento do mercado, que são fatores importantes para ter sucesso.

9 – E o Projeto V21 Rural, o que é e a quem se destina?

SL – Corresponde a um desafio do Município de Viseu que abraçámos com muito gosto. Destina-se a promover negócios em meio rural. Começou em setembro de 2020, numa primeira etapa chamada “oficina do empreendedor”, com 26 empreendedores, teve uma 2a etapa, entre outubro e fevereiro, dedicada ao apoio na realização dos planos de negócio, com 10 empreendedores, e uma 3a etapa, que ainda decorre e tem o nome de “cooperação e estágio”, dedicada a acompanhar o crescimento dos projetos de forma muito prática, dando ainda aos participantes a possibilidade de realizarem visitas de estudo e fazerem estágios de curta duração em realidades consideradas casos de sucesso. Tem sido um prazer ajudar a criar uma nova ruralidade bem moderna, com novos projetos que combinam estilo de vida, tecnologia e internacionalização.

10 – O que o PRR traz de novo ao Empreendedorismo?

SL – Em primeiro lugar é preciso que fique claro que todo a configuração dos apoios para as empresas se baseia na transição digital e climática. As principais oportunidades situam-se dentro da componente de investimento 16 – “Empresas 4.0.” referindo-se a existência de apoios ao empreendedorismo em medidas como o “Voucher para Startups – Novos produtos verdes e digitais”, Reforço da Estrutura Nacional para o empreendedorismo – Startup Portugal” e “Vale para Incubadoras/Aceleradoras”. Ainda nesta componente existem também ações destinadas a promover o comércio digital, onde se identificam as “Aceleradoras de Comércio Digital”, os “Bairros Digitais” e a “internacionalização via E-commerce”. Por outro lado, existem também a componente 5 – “Capitalização e Inovação Empresarial” onde se podem identificar as “agendas/alianças mobilizadoras para a inovação empresarial”, as “agendas/alianças Verdes para a inovação empresarial” que procuram ligar infraestruturas dos Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) com as empresas.
Uma outra componente importante é capitalização do Banco Português de Fomento (BPF) que concentra 1.300 milhões para a criação de um instrumento financeiro com capacidade para investir em empresas sobre a forma de capital próprio ou quase-capital próprio. Existe ainda um conjunto de apoios à formação que podem ser importantes para a qualificação das pessoas na área das competências digitais…

11 – É verdade que não vai faltar dinheiro? E como podem as empresas, em especial as startups, ter acesso a estes recursos?

SL – A regulamentação e os mecanismos de acesso estão ainda a ser trabalhados pelas entidades gestoras, pelo que temos que ir acompanhando o trabalho que está a ser feito. Entretanto é importante recordar que o PRR, do ponto de vista dos apoios às empresas, deve articular-se com a programação do PT 2030 e que este precisa de ser profundamente desburocratizado. Este PRR tem um grande peso de investimento no Estado. Nesta medida, preocupa-me bastante que seja capaz de colocar à sociedade desafios sofisticados, estimulando as empresas, em especial as startups, e o Sistema Científico a utilizarem estes projetos como piloto para escalar internacionalmente. Tenho visto muita preocupação com a velocidade de execução e isso é importante, mas estou também muito preocupado com a integração de valor nacional, isso é que assegurará a prazo o sucesso do PRR e a sustentabilidade das alterações estruturais que se pretendem induzir e que se avaliará através dos acréscimos de competitividade da economia portuguesa.

Entrevista com Sérgio Lorga
Diretor Executivo Vissaium XXI – Associação para o Desenvolvimento de Viseu V21 – Centro de Incubação Tecnológica de Viseu

Descarregue aqui a 14ª Edição da Revista Game Changer

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