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12 de Fevereiro de 2021

Game Changer 11 – Entrevista com Cristina Fonseca

Licenciada em Telecomunicações e Engenharia de Redes no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa em 2010, optou no ano seguinte pela criação da sua própria empresa, fundando juntamente com Tiago Paiva, a Talkdesk, uma empresa portuguesa que oferece soluções inovadoras para contact-centers e que ascendeu ao patamar de unicórnio com uma avaliação superior a mil milhões de euros.

Em 2016 sai da empresa juntamente com o seu ex-sócio, precisamente no mesmo ano em que entra na lista europeia “30 under 30” da Forbes.

Posteriormente, Cristina Fonseca torna-se parceira de risco no Indico Capital Partners, o primeiro fundo privado de capital de risco português a investir em startups com foco na tecnologia em Portugal e Espanha.

Atualmente, é considerada uma das 50 mulheres mais influentes da Europa na área tecnológica e aborda um pouco do seu percurso e da sua visão do setor nesta entrevista.

 

É uma das mulheres mais bem sucedidas no setor tecnológico português e até internacional. Como se vê neste contexto?

CF- O sucesso é muito relativo, mas sinto alguma responsabilidade por continuar a fazer um trabalho relevante na minha área.

Mulheres e tecnologia é um tema cada vez mais falado. Estamos a falar de uma área onde mais cedo poderemos ver igualdade, a vários níveis, incluindo salarial?

CF- Ainda há muito por fazer, mas a boa notícia é que nos últimos anos este passou a ser um tema ao qual se dá algum destaque e importância e, por isso, em muitos casos há um esforço consciente para mudar situações de desigualdade.

O que falta a Portugal para ter mais mulheres de êxito?

CF- Temos algumas mulheres com histórias incríveis de sucesso mas, genericamente, falta o que faltam em outros países – mais exemplos, menos enviesamento na educação na infância e adolescência, mais confiança das próprias mulheres para arriscarem e o suporte de alguns homens que as rodeiam.

Saiu da Talkdesk, um unicórnio de sucesso, e hoje dedica-se à área de investimentos. Como é estar do outro lado e avaliar potenciais negócios de êxito?

CF- É um trabalho muito diferente mas muito gratificante. A avaliação dos projetos é só uma das componentes do nosso trabalho. Além disso, temos obviamente que fazer fundraising porque é isso que nos permite ter capital para investir e das coisas mais importantes é acompanhar os projetos e trabalhar com as empresas em que investimos.
São as 3 atividades deste negócio, todas com a sua relevância.

O que mais valoriza numa ideia, numa startup?

CF- As ideias por si só têm pouco valor – das coisas que mais valorizo numa startup são a equipa e a capacidade de execução, essas são as coisas mais importantes, sobretudo em empresas em estágio inicial.

As empresas corporate têm muito a aprender com as startups? A que níveis?

CF- Ambos têm muito a aprender uns com os outros. As corporate poderiam beneficiar de mais agilidade, sentido de urgência e, individualmente, poderia haver mais ownership dos problemas. Por outro lado, as startups poderiam beneficiar dos processos, estrutura, boas práticas de governance. Claramente não há uns melhores que outros, têm desafios diferentes e podiam beneficiar dos ensinamentos uns dos outros.

Portugal já tem um ecossistema de startups robusto ou só o terá quando pessoas como a Cristina começarem a reinvestir nele?

CF- Portugal ainda está numa fase bastante embrionária em termos de ecossistema empreendedor. Apesar dos progressos dos últimos anos, ainda temos um volume de investimento baixo, o número de startups a serem criadas não tem crescido (sem ter dados que suportem isto diria até que tem diminuído) e os casos de sucesso ainda não atingiram a maturidade. Precisamos de fechar o ciclo para que o ecossistema seja relativamente robusto.

Como avalia a sua geração? Até onde podemos contar com o talento luso? E o que poderemos fazer para aumentar essas capacidades e skills das novas gerações?

CF- Faço parte de uma geração altamente instruída, que cresceu com acesso desmedido a informação através da internet, que estudou fora e que teve experiências internacionais de estudo, trabalho e muitas viagens.

Por isso, tornou-se uma geração impaciente, ambiciosa, idealista e sedenta de criar impacto para além das fronteiras portuguesas. Em Portugal, o nosso contexto socio-económico ensinou-nos a “desenrascar”, somos trabalhadores e, por isso, não ficamos atrás da força de trabalho de outras geografias.

O talento luso está ao mais alto nível, mas acho que ainda não há oportunidades suficientes e suficientemente desafiantes em Portugal para desenvolver ainda mais esse talento. Se quisermos estar preparados para o futuro temos de estar a trabalhar com as tecnologias mais recentes, a resolver os problemas mais desafiantes, a colocar as nossas organizações ao nível dos pares internacionais.
Para isso falta-nos olhar mais lá para fora, ser mais ambiciosos, criar mais marcas distintas e promovê-las pela qualidade e não pelo baixo preço que, de certa forma, caracteriza a nossa economia. E temos naturalmente de fazer tudo isto com uma visão de mais longo prazo.

Na sua formação, o que lhe falta fazer?

CF- Falta muita coisa, sobretudo porque acredito que a cada década que passa, para além da experiência acumulada, também percebemos que a velocidade a que o mundo está a evoluir nos traz lacunas que vamos tendo de colmatar. Por isso, acredito em formação contínua para além de serem necessárias formações específicas dependendo dos desafios da carreira. Mas talvez um dia ainda faça um doutoramento.

O que queria ser quando era pequena? Esse sonho ainda pode acontecer?

CF- Nunca tive opiniões muito fortes em relação ao que queria ser e por isso a resposta não era óbvia nem fácil. Mas quando insistiam mesmo, a minha resposta eram coisas como astronauta ou piloto de aviões.

Qual foi o momento em que resolveu enveredar pela sua carreira profissional? Foi uma escolha espontânea ou foi condicionada ou incentivada por algum acontecimento na sua vida?

CF- Foi uma escolha espontânea e muito curiosa, eu sabia que queria estudar engenharia mas não tinha a certeza em relação a especialização. Acabei por decidir com base em algo sobre o qual tinha curiosidade e que achava que seria bastante relevante num futuro próximo. Pareceu-me um critério de decisão tão bom quanto os dos meus colegas que, aos 18 anos, têm teorias elaboradas ou certezas muito sólidas em relação ao caminho que querem seguir.

Como e onde se vê daqui a 10 anos?

CF- Não estarei a fazer nada fundamentalmente diferente do que faço hoje. Até porque resolver um problema demora 10 anos e ainda agora começámos. Espero continuar a investir em novos negócios e termos alguns casos de sucesso no nosso portfólio!

Que balanço faz dos últimos 10 anos?

CF- O balanço dos últimos 10 anos é extremamente positivo. Em 2010 terminei o curso e criei a Talkdesk que hoje se tornou um negócio de sucesso e que criou já quase 1000 empregos. Hoje, dedico a maioria do meu tempo a ajudar a criar e a escalar empresas semelhantes e a tentar ser um “enabler” de oportunidades na área tecnológica nesse aspecto. Não poderia estar mais feliz com o meu percurso profissional até aqui.

Olhando para trás, mudaria alguma coisa neste percurso?

CF- Não creio que mudasse nada, há coisas que gostaria de ter feito de forma diferente como estudar lá fora, por exemplo. Mas nenhuma delas é algo que eu mudasse. Por norma também não acho que deva olhar para trás, o que está ao nosso alcance mudar está lá na frente.

Gostaria de fazer algo diferente ou complementar a sua carreira com outra área?

CF- Não me faltam coisas que gostasse de fazer! Infelizmente o tempo não estica de todo, portanto vou escolhendo as que acho que têm mais relevância a cada momento.

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