Licenciada na área da Filosofia, realizou inicialmente um mestrado em Gestão de Recursos Humanos, tendo-se posteriormente especializado em Filosofia para Crianças. Mas algo pouco comum é passar destas áreas para o Marketing Digital, Joana Rita Sousa, assume que foi a Filosofia que teve grande parte da responsabilidade pela própria ter seguido este caminho.
Divertida, explica como tudo se procedeu, todo o seu percurso profissional, deixando várias ideias e fazendo uma análise à sua e à geral utilização das redes sociais, bem como uma retroespetiva, balanço e antevisão, do que foi, está e há por ser feito.
Quando e como nasceu o interesse pela Filosofia?
JRS- Quando era pequena – coisa que ainda sou, pois tenho pouco mais que metro e meio – falava em estudar jornalismo. As perguntas eram algo que me fascinava, pois permitia-me abrir portas, tal como faz a Alice, depois de ir cair pela toca do coelho. Quando tive Filosofia no 10.º ano apaixonei-me e tomei a decisão de estudar mais profundamente e me dedicar a esta área.
E dentro da filosofia, porquê especificamente a filosofia para crianças?
JRS- A filosofia para crianças foi algo que descobri já depois de ter feito a licenciatura, estava eu a estudar consultoria de empresas. Tropecei nas Novas Práticas Filosóficas ou Filosofia Aplicada, onde a filosofia para crianças e jovens e os cafés filosóficos se incluem. Na altura não fiquei absolutamente fascinada e acabei por me dedicar ao estudo do papel do filósofo nas empresas e organizações, no meu 1.º mestrado. Quando conheci mais profundamente os contornos da filosofia para crianças, através da Celeste Machado e do Oscar Brenifier decidi dedicar-me “a sério” a esta área da filosofia.
Há aqui um certo acto de ousadia, nisto de levar a filosofia para espaços onde habitualmente ela não entra, como um jardim de infância ou a escola do 1.º ciclo.
E é perigoso, pois ainda posso acabar por ser acusada de corrupção a juventude, como aconteceu com Sócrates (o grego).
É mais importante do que nunca desenvolver nas crianças o “amor pela sabedoria”?
JRS- O professor António de Castro Caeiro ensinou-me um outro significado da palavra filosofia, que não é tão “fofo” como “amor pela sabedoria”. Diz o professor que o étimo aponta para uma obsessão pela transparência. Eu sei, talvez não seja muito abonatório para os filósofos, dizer que somos obcecados pela transparência – mas é o étimo que o diz.
Pegando nesta ideia e voltando à pergunta: considero que é muito importante desenvolver com as crianças um espaço e um tempo onde podemos praticar o pensar, brincar com os pensamentos, imaginar hipóteses, avaliar argumentos, criar e recriar a partir do pensamento dos outros e praticar o diálogo. O diálogo é muito importante, pois falamos muito, usamos muitas palavras que jogamos fora só para preencher silêncios. É importante escutar para poder construir algo a partir do que eu e os outros pensamos. Em suma, praticar a obsessão pela transparência.
Como alguém parte da filosofia para o marketing digital?
JRS- Pensando bem, a responsabilidade é da filosofia. Quando encontrei a filosofia para crianças tinha uma sede enorme de saber quem trabalhava nesta área, como desenvolviam oficinas, que recursos utilizar, e de procurar com quem fazer formação. Esta busca levou-me a criar um blog para partilhar o que encontrava e fazer pontes com pessoas de outros pontos do mundo. Depois do blog, vieram as outras redes sociais, para me ajudar a divulgar o que fazia e a apresentar-me no mercado. Eu fazia tudo: copywriting, recolha de conteúdos, planeamento de conteúdos; por vezes havia amigos designers que me ajudavam com questões da imagem. Na altura fazia as coisas mas não tinha noção dos nomes das tarefas que estava a fazer e estava longe de imaginar que iria fazer isto, de forma estruturada e profissional, para outras pessoas e marcas.
As minhas formações na área da consultoria de empresas e dos recursos humanos também me ajudaram a estruturar pensamento, sobretudo na área do marketing que mais me agrada: estratégia.
Que paralelismos consegue traçar entre as duas áreas?
JRS- A pergunta. A investigação. O planeamento para o imprevisível: por mais que planeie uma oficina de filosofia, o que nela vai acontecer depende muito das pessoas que nela participam. Estamos constantemente a rever o plano inicial, muitas vezes temos de o abandonar.
Desenhar uma estratégia tem o mesmo tom: há variáveis que se alteram e temos constantemente de rever o pensamento de partida.
O que trouxe da filosofia para o marketing digital?
JRS- A capacidade de fazer boas perguntas. As competências de pensamento crítico e criativo.
Tem também um mestrado em Gestão de RH, de que forma essas 3 áreas são compatíveis?
JRS- Fiz o mestrado em Gestão de RH pois queria estudar o papel do filósofo nas empresas e organizações, sobretudo na área dos RH. A experiência foi muito boa, pois conheci professores que me ensinaram muito na área da gestão e da estratégia, e tive ainda a possibilidade de ter o professor José Barrientos Rastrojo (Universidade de Sevilha), especialista em Filosofia Aplicada, a orientar a minha dissertação.
Defendo que podemos estudar áreas aparentemente desconexas umas das outras. Em tempos cursei japonês e sânscrito, só para ginasticar a minha capacidade linguística. Tenho dois níveis de língua gestual portuguesa. Estudei criatividade e relações públicas. Fiz vários cursos relacionados com a área bancária. Quando voltamos à área onde nos sentimos como “peixes na água” voltamos um olhar novo e isso é algo que gosto de cultivar.
Quais os maiores desafios que tem encontrado ao longo da sua carreira profissional?
JRS- Especificamente na área da filosofia para crianças e jovens, o grande desafio passa por credibilizar o trabalho, praticando e investigando.
Na área do marketing digital, o grande desafio passar por manter a minha linha diferenciadora perante o mercado.
Em ambas as áreas, o desafio é manter-me atualizada para proporcionar formação ou consultoria estruturada e bem informada a quem me procura.
Que balanço faz da sua carreira profissional até ao momento?
JRS- A minha carreira profissional vai dando passos. Caminhar é uma atividade que implica desequilíbrio e nós nem nos apercebemos bem disso. Acresce que sofro de síndrome vertiginoso, pelo que vou passar esta pergunta de balanços, pode ser? (#justkidding)
Que planos tem e ainda estão por realizar?
JRS- 2020 mostrou-nos que o plano mais ambicioso passa por fazer tudo para não perder o olfacto.
Tenho muitas ideias espalhadas em post it e cadernos, ideias que pretendo realizar. Gostava de ter uma Academia, ao estilo platónico, onde podemos caminhar e filosofar.
Sou muito má na resposta à pergunta “onde te vês daqui a 5 anos?”. Não sei responder. Mas valorizo a pergunta, só para que conste!
Esta entrevista fez com que olhasse muito para o passado e tive de parar para pensar: “é verdade, como é que eu cheguei aqui?”. Foi um bom momento de reflexão, obrigada!
Se tivesse de precisar, qual classifica como o momento Game Changer na sua vida profissional?
JRS- Sem dúvida o momento em que abraço a vida de freelancer e procuro dedicar-me à filosofia e à comunicação, deixando para trás a profissão que ocupava na banca.
O que a realiza profissionalmente?
JRS- Fazer perguntas, tornando as pessoas conscientes do seu pensamento e autónomas no seu uso.
Como surgiu o projeto Joana Rita ponto Eu (www.joanarita.eu)?
JRS- Ora bem, durante alguns anos eu era aquela pessoa que pregava a importância das marcas terem um website, uma casa própria e… TA-DA! eu não tinha. Tive de parar para pensar e criar o conteúdo para o website que a ActiveMedia criou à minha imagem e semelhança.
Quando fui registar o domínio, o joanarita ponto com já estava ocupado, bem como o pt, e estava livre o joanarita ponto eu.
Joana Rita ponto EU é nome do website e surgiu como “nome” depois de ir uma e outra vez a empresas e apresentar-me como Joana Rita e ouvir do lado de lá: “qual é a empresa?”. Como não sou uma empresa, mas sim uma pessoa, criei um nome de empresa só para poder responder a essa pergunta. Não é exactamente um projecto, mas sim o espaço digital que alberga o conjunto de serviços que tenho para oferecer na área do marketing digital – e onde tenho um blog dedicado a esta área.
É particularmente ativa no Twitter, qual a sua perceção das diferentes redes sociais?
JRS- O Twitter ensinou-me a ser sucinta e a escolher muito bem as palavras que queria usar, tendo em conta que havia o limite de 140 caracteres por tweet, quando entrei na rede, em 2009.
Sou fã e praticante do ser e estar nas redes sociais; a vida da grande maioria das pessoas é onlife e olho para as redes sociais como canais de comunicação. Bem sei que não são ferramentas inocentes e por isso defendo que façamos um uso consciente das mesmas, sejamos nós pessoas ou marcas.
Gosto de experimentar redes novas, para conhecer funcionalidades e também para me divertir. Prova disso é a “áxetague” #joanadotwitternotiktok (é procurar, senhores, é procurar).
As redes sociais têm mudado profundamente a forma como nos relacionamos uns com os outros e com mundo. Vê estas mudanças como positivas, negativas ou um pouco de ambas?
JRS- Num contexto pandémico as redes sociais revelaram ser o consolo, o colo, o espaço de aprendizagem, o lazer, a diversão e também o mural de desabafo.
Tenho uma perspetiva optimista sobre as redes sociais, defendendo um uso ético e transparente das mesmas, seja da parte de quem as desenha, como da parte de quem as usa.
A humanidade tem sido “mestre” nisto de criar ferramentas e só depois pensar nos imperativos categóricos e no que deve ou não fazer-se. A discussão ética chega já muito tarde. Façamos o nosso papel. Como? Abrindo espaços para essa discussão, nas próprias
redes. Foi assim que nasceu o #twitterchatpt, um espaço de conversa saudável, dirigida à comunidade, que tem lugar numa rede que também alberga muito ruído e desinformação: o Twitter. Mas onde também é possível ter conversas saudáveis e respeitosas.
Como antevê que venha a ser o futuro das redes e o seu impacto na sociedade no futuro?
JRS- As redes sociais estão aí, não vão acabar. Se não forem estas que usamos hoje, serão outras, com outros nomes.
O ser humano sempre cultivou a rede social (offline) e o digital abre para outras possibilidades. Temos muita reflexão para fazer sobre o que queremos fazer com as redes, sobre limites éticos, sobre o tempo que lhe dedicamos, sobre as suas finalidades. Enquanto isso, o comboio avança e não há como parar, não é? Com sorte, evitamos o Trolley Problem (eis um dilema bem interessante e actual para os nossos dias.Toca a googlar!). Ou então não.