Quase metade da força de trabalho atual se recorda do som de um fax ou de um telefone fixo daqueles antigos, ouvido no edifício inteiro – equivalendo isso a um eco da modernidade nos escritórios. Hoje, bastam segundos para gravar e partilhar um vídeo numa qualquer rede social, podendo chegar a milhares de pessoas, apenas com um click. Este salto tecnológico, económico e da vida em geral, não é apenas uma curiosidade que atravessa gerações – é o espelho de uma mudança estrutural e cultural profunda: mudou o tempo, mudaram os meios, mudou o mindset, as expectativas e as necessidades. E o trabalho não ficou imune – não continuou igual e muito mais rapidamente mudará no futuro.
Vivemos uma era em que as perguntas são tão, ou mais, importantes que as respostas, até porque muitas delas ainda as procuramos. Na realidade, e apesar de o futuro nunca ter sido previsível, continuamos a afirmar que o futuro é uma enorme incógnita e desafio – mas sempre o foi, e precisamos saber acomodar as mudanças que virão – elas virão de certeza, a única questão diferente do passado é que serão mudanças muito rápidas e aceleradas. Perguntamo-nos: O trabalho tem futuro? Ou é o futuro que já não cabe nos modelos de trabalho que conhecemos? Não estamos perante o fim do trabalho, mas sim diante de um convite para o reinventar, para o (RE)significar como prefiro (e que é já inadiável).
O trabalho não desaparece, mas vai transformar-se profundamente, e acredito que em breve saberemos que mudámos de paradigma na forma como o entendemos, vivemos e gerimos. As novas gerações no mercado de trabalho muito têm contribuído para esta mudança, e na realidade os sinais são já muito evidentes. E quem não mudar com a mudança que está a acontecer, talvez apenas projete o seu futuro fora do mundo do trabalho.
O Future of Jobs Report 2023, do World Economic Forum, não deixa margem para dúvidas: não é apenas o que fazemos que muda – é a forma, o lugar, o tempo e o sentido com que o fazemos (mensagem já reforçada nestes dois anos que se seguiram). Esta reinvenção do trabalho exige mais do que novas ferramentas, e exige nova visão (temos andado a chamar-lhe propósito). Há, paralelamente à rápida mudança das profissões no seu conteúdo primordial, uma crescente desmaterialização do trabalho, aumento de recursos como a mecanização, robotização e digitalização e inteligência artificial, o que nos leva a compreender a lógica das “competências dinâmicas”. Cada vez são menos standard, fixas e duradouras e isso exige-nos – a todos, uma atenção séria.
A lista de tecnologias emergentes já não é futurista: drones, pillcams, impressoras 3D, relógios inteligentes, comandos de voz e robôs deixaram de ser ficção científica. Os modelos de trabalho híbrido e as plataformas de colaboração virtual redefiniram os espaços e os ritmos de trabalho. A pergunta certa talvez seja: estamos a acompanhar esta transformação com a profundidade, rapidez e agilidade necessárias?
Reinventar o trabalho é mais do que mudar
Reinventar o trabalho não é só uma exigência, sendo principalmente, o repensá-lo com intenção e foco. É ressignificar o trabalho, não apenas no plano funcional, mas também simbólico. Segundo o WEF, as competências mais valorizadas até 2030 incluirão: pensamento crítico, criatividade, inteligência emocional, literacia digital, liderança e aprendizagem contínua. Mas isto não é uma lista técnica – é um manifesto sobre o que significa ser profissional num mundo em constante mutação e que em breve será significativamente diferente do que hoje é. Este manifesto traduz-se em práticas muito concretas: upskilling e reskilling permanentes, políticas de contratação baseadas em competências e não apenas em certificações, transição estratégica de funções em declínio, reforço da saúde mental, transparência salarial, e sobretudo, flexibilidade – não como concessão, não como benefício, mas como estrutura do novo contrato psicológico entre empregador e colaborador.
Dois grandes eixos de transformação: Sustentabilidade e Gerações
A reinvenção do trabalho está inevitavelmente ligada à reinvenção do emprego e a todas as transformações que estamos a viver, porque, sobretudo após a pandemia, verificámos uma profunda mudança no mindset. Mas aqui, complexificamos um pouco esta análise, introduzindo dois desafios se impõem de forma transversal e sistémica:
1 – Sustentabilidade como pacto global:
A Agenda 2030 da ONU, com os seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, é o mapa ético deste tempo de mudança, mas porque a mudança se torna condição de existência. Neste âmbito, os ODS, com as suas 169 medidas e o “Pacto para o Futuro” com 56 medidas que envolvem clima, igualdade de género, cooperação digital e direitos humanos, dão-nos referências. O trabalho digno surge como princípio estruturante – não basta criar empregos; é necessário que esses empregos respeitem a dignidade humana, a justiça social e a coesão intergeracional. Mais do que uma tendência corporativa, os critérios ESG (Environmental, Social and Governance) tornam-se critérios civilizacionais e, felizmente, são cada vez mais seguidos, por cada vez mais empresas, como guias de atuação. Empoderar comunidades locais, garantir equidade salarial, proteger a saúde mental, promover a diversidade – tudo isto deixou de ser “nice to have” e passou a ser imperativo estratégico.
2 – Integração geracional: o desafio invisível
Talvez o maior dos paradoxos do mundo laboral contemporâneo seja este: nunca tivemos tantas gerações a conviver no mesmo espaço de trabalho, e nunca tivemos tantos desencontros culturais entre elas. Desde os “Formers”, que valorizam sacrifício e fidelidade, até à Geração Alpha, nativa digital e intuitivamente conectada, coexistem seis grupos etários com formas profundamente distintas de encarar o tempo, a autoridade, o propósito e a identidade profissional. A gestão eficaz desta diversidade é uma nova competência organizacional e não pode ser deixada à espontaneidade. Mas este puzzle não é fácil de gerir, e a complexidade que está associada, aliada às profundas mudanças a que assistimos, tornam o dia-a-dia cada vez menos previsível e controlável. No entanto, humanizar será palavra de ordem, o que acarreta necessariamente, olhar para a particularidade de cada geração – melhor, de cada pessoa, requerendo uma cultura ágil, escuta e humanização com tecnologia.
Neste mundo que avança a uma velocidade exponencial, talvez a única constante seja a capacidade de reaprender, e se em coletivo, melhor ainda. E isso exige mais do que processos: exige atitude. Uma atitude de abertura, de colaboração, de humildade. Reinventar o trabalho não é tarefa de uma geração, de uma indústria ou de um sector, é um desafio de consciência coletiva.
Como disse Mark Twain, em 1876: “Trabalho é aquilo que tem que fazer e lazer é aquilo que não tem que fazer.” Talvez hoje o desafio seja fazer com que um se aproxime do outro, não por obrigação, mas por sentido. Porque o futuro do trabalho não se escreve com máquinas, escreve-se com humanidade.
Isabel Moço,
Coordinator and Teaching Assistant, Universidade Europeia