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26 de Agosto de 2021

A gestão de pessoas deve assumir o “palco” do futuro das organizações – Game Changer 13

“Dizem que o tempo muda as coisas, mas na realidade tens de ser tu próprio a mudá-las.” (Andy Warhol)

Qualquer processo de mudança, por muito que seja necessário e bem preparado, é sempre um processo que enfrenta resistências, sejam elas individuais, sejam elas organizacionais, na medida em que a mudança provoca alteração de hábitos, por vezes muito enraizados. Tem como consequência sair da “zona de conforto”, que muitas vezes é visto como um problema. E quando falamos em mudanças nas Organizações, estamos a pressupor um processo que implica uma constante interação com o seu meio envolvente e com todos os seus stakeholders, com uma enorme complexidade e que podem ser originadas por diferentes causas: as intrínsecas (aquelas que decorrem da necessidade de mudança das Organizações para serem competitivas) e as extrínsecas (as que são determinadas por fatores externos não controláveis pela Organização).

Ora, desde há um ano que estamos a viver tempos nunca antes imaginados, uma pandemia com contornos que jamais esperávamos que viesse a acontecer nos tempos modernos, com os avanços da ciência a que temos assistido de forma tão acelerada. Mas pelos vistos, há ainda coisas que não conseguimos prever nem antecipar. E eis que nos encontramos na era do COVID que, com toda a certeza, nos vai levar para um “novo normal”, seja lá o que isso for. É verdade que o mundo tem estado, desde há uns anos a esta parte, a dar sinais de uma profunda instabilidade e que foi fortemente ampliado agora pelo coronavírus. O conceito VUCA, que tantas vezes utilizamos, deixou de ser suficiente para conferir sentido à realidade que vivemos hoje. À volatilidade (V) dos acontecimentos, juntamos a fragilidade das empresas, que se tornam cada vez mais expostas a riscos com novas e surpreendentes formas, em que as fragilidades se repercutem em efeito cascata. A incerteza (U) sobre o futuro próximo, já anteriormente assumido, mas agora com o reforço das incógnitas e a necessidade de readaptação a serem uma realidade constante, traz consigo uma grande ansiedade com a permanente sensação de impotência e com a necessidade constante de estarmos atualizados para não perdermos “pitada” do que se passa, acrescentando aqui a insegurança em relação à saúde e aos riscos de contágio do COVID. Por outro lado, num mundo fortemente interligado, a complexidade (C) dá agora lugar à não linearidade, na medida em que o alcance desta pandemia vai muito para além da experiência quotidiana, com a infeção a disseminar-se a uma velocidade verdadeiramente extraordinária. Por último, a ambiguidade (A) é substituída pela incompreensão em virtude da sobrecarga de informações que põe em causa a nossa capacidade de compreender o mundo, de processar.

Sendo a mudança um processo natural e constante no nosso dia-a-dia, e com o qual vamos continuar a ter que saber conviver, ela afeta os diversos níveis da nossa sociedade, seja ela planeada ou não, com uma elevada complexidade que aporta particulares desafios às partes envolvidas. No caso em concreto das empresas a todos os stakeholders. Eis que estamos perante “o desafio” para integrar esse mundo novo, esse “novo normal” que reforça a necessidade, urgente, de mudar. Porventura, o contexto pandémico atual até nos ajudou, às Organizações, naquele trabalho árduo e extremamente necessário de justificar e explicar às pessoas a necessidade de mudar. Esse trabalho está praticamente feito e, todos nós, mais do que reconhecemos a necessidade de mudar, de nos reinventarmos, de nos readaptarmos a um novo futuro que ainda desconhecemos como vai ser.

Agora, o aspeto crítico em todo este processo de mudança, no atual contexto, incide em como vamos executar o processo de transição para o tal “novo normal”. Há, no meu entender, um duplo e
importante foco a ter em conta: cuidar e proteger as Pessoas e, ao mesmo tempo, dar as condições essenciais para que as empresas continuem (sobrevivam). Acredito que tudo o que se possa vir a fazer para que a mudança seja positiva para as empresas e para as pessoas, deve centrar-se numa atuação concertada assente em 3 grandes pilares: a tecnologia (transformação digital); a cultura (organizacional); e a comunicação (interna e externa multidirecional). Se calhar até poderia assumir que o “denominador” de toda esta equação da mudança é a “cultura organizacional”. Por muito que se fale de “transformação digital” (talvez a buzzword mais citada nos últimos tempos), a verdade, na minha modesta opinião, é que o que realmente estamos a falar é de “transformação cultural”, a todos os níveis.

Muito provavelmente alguns de nós já testemunhou casos de processos de mudança levados a cabo sem sucesso ou com um resultado aquém do esperado. Conhecendo eu alguns exemplos, o que encontrei de comum foi a falta de preparação e de envolvimento das partes adequadas em todo o processo. Muitos deles sem considerarem um envolvimento ativo dos profissionais de recursos humanos e sem a devida preparação que se impõe para uma efetiva implementação. Por outro lado, muitos desses insucessos aconteceram também porque as Pessoas não terão sido o foco de todo o processo, ora porque não foram envolvidas, ora por se descurou a motivação de cada uma delas, ora porque não estariam preparadas para fazer face ao “novo” que se propunha, aos novos paradigmas que tinham de ser assumidos. Falhou o cuidado com a cultura da organização e com a comunicação.

Assistimos hoje a uma disrupção sem retorno rumo a um “novo normal” que desconhecemos por completo. Um “novo normal” que forçou a que as prioridades, inicialmente determinadas, tivessem de ser totalmente alteradas. A pandemia já nos “disse” que não há regresso ao passado. Novos paradigmas terão de ser criados.

E, numa perspetiva, organizacional e da gestão de pessoas, estamos a assistir a uma mudança do paradigma do trabalho, com novas práticas e modelos de organização do trabalho a serem implementadas, com os resultados (contributos) a sobreporem-se à cultura do presentismo, a reinvenção da forma de aprendizagem das equipas, a digitalização intensiva e, de grande relevância, um novo posicionamento da área da gestão de pessoas. O The Economist, num estudo recente, mostra que, da mesma forma que após a crise financeira o Departamento Financeiro desempenhou
o papel principal para proteger e salvar as empresas, hoje, o contexto de pandemia mostra-nos que é o Departamento de Recursos Humanos a ter de assumir o “palco”, assumindo uma posição cada vez mais estratégica na Organização.

Hoje convenço-me cada vez mais, que esta é a grande oportunidade para os profissionais de recursos humanos terem um papel relevante. É o momento para influenciar positivamente a estratégia do negócio. Eu diria mesmo que, hoje e daqui para a frente, o profissional de Recursos Humanos tem uma missão crucial no universo empresarial: humanizar as organizações num mundo cada vez mais digital.

Em linha com o recente estudo da Mercer sobre a gestão de talentos (“Estudo Global Talent Trends 2021”), e seguindo o meu raciocínio, é a altura de pensarmos (de um modo sistemático e integrado) na experiência que queremos proporcionar aos nossos Colaboradores, ao longo da sua permanência na Organização, inclusive aos candidatos a serem nossos colaboradores, assente nos princípios da metodologia do design thinking, questionando-nos acerca das interações que melhor contribuem para a satisfação, motivação e retenção dos Colaboradores. É a altura de adotarmos modelos mais ágeis no serviço a prestar ao negócio, sustentado em data analytics e ferramentas agile. É a altura, decididamente não há outra forma, de trabalhar uma estratégia integrada de gestão de pessoas com foco na proposta de valor a entregar, quer para o Colaborador quer para a Organização.

Chegou o tal momento (há muito ambicionado) para atuarmos (os profissionais dos departamentos de recursos humanos, capital humano, pessoas e cultura, etc.) como um verdadeiro agente de mudança e um catalisador da evolução das Organizações. Vamos ter de nos reinventar na forma como interagimos com os key players do negócio. Temos de investir ainda mais no desenvolvimento e na consolidação de novas competências, tais como: a gestão da mudança, o design thinking, o data analytics, a inteligência artificial, a resiliência e a empatia.

Temos pela frente um trabalho árduo e longo no tempo, com enormes desafios pelo caminho, mas com a confiança de que podemos assumir um novo posicionamento no futuro das Organizações.

Trabalhar a “Cultura” para e com as “Pessoas” é o mote para o futuro.

Como dizia o inventor e filósofo social americano, Charles F. Kettering: “O mundo detesta mudanças e, no entanto, é a única coisa que traz progresso.”

 

Rui Soares

Rui Soares

Corporate People & Culture Director na DESFO Holding

 

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