Num mundo onde o lucro já não é mais o grande objetivo das organizações, mas sim o legado e a imagem frente à sociedade, o novo papel do RH é vital, a começar por se ressignificar a si próprio.
Foi já há mais de 20 anos que um pequeno grupo de entusiastas mudou por completo a maneira de trabalhar em equipa e entregar software. As suas ideias, expressas através do conjunto de princípios e valores, que hoje conhecemos como Manifesto Ágil para o Desenvolvimento de Software (agilemanifesto.org), influenciaram não apenas uma indústria mas tudo o que envolve o trabalho do conhecimento e criativo.
Já não é novidade que os Métodos Ágeis (ou simplesmente Agile) ajudaram a promover avanços na forma de se trabalhar em equipa para solucionar problemas complexos, principalmente pela sua ênfase nas pessoas e suas interações, na entrega frequente e constante de valor, na colaboração, e no compromisso com a adaptação e resposta rápida à necessidade de mudanças.
E atualmente muitos outros serviços profissionais, que enfrentam problemas semelhantes, tentam beneficiar-se dos princípios, valores e práticas disseminados pelo Agile. Afinal de contas, prazos curtos, concorrência mais numerosa e agressiva, clientes (internos e externos) cada vez mais exigentes, não são um “privilégio” apenas da área de software. Isto aplica-se ao marketing, aos serviços financeiros, serviços de suporte, e também aos RH (Recursos Humanos).
Hoje a área de RH também procura romper com velhos paradigmas e abraçar a mudança, para encarar uma nova realidade onde são “menos recursos e mais humanos”, para enfrentar o futuro com muito mais colaboração, transparência, adaptação e inspiração.
ENTÃO, O QUE É RH ÁGIL (OU AGILE HR)?
Neste contexto, o RH Ágil (do inglês Agile HR) é o termo usado para descrever a aplicação dos princípios, valores e práticas do Agile à função de RH, procurando melhorar a eficiência e eficácia dos processos de RH para torná-los mais dinâmicos e adaptativos às mudanças internas e externas, alavancando assim o impacto positivo que podem provocar na organização.
O trabalho de um RH Ágil envolve afastar-se dos sistemas e processos tradicionais e burocráticos e adotar uma abordagem mais flexível e centrada no cliente (colaborador). É uma mudança nos modelos e procedimentos outrora rígidos, preditivos e padronizados, para propostas mais simples e colaborativas, impulsionadas pelo feedback de todos os envolvidos (colaboradores, gestores, fornecedores, etc.).
O RH tradicional, por norma, caracteriza-se por aplicar uma abordagem de cima para baixo, com funções padronizadas, isoladas e uma postura quase sempre reativa frente a solicitações e problemas. Em contraste, o RH Ágil adota uma postura proativa e holística para tratar qualquer questão. Colaboração, co-criação e feedback contínuo são as suas principais marcas.
MAS COMO FAZER PARA MUDAR DE UM RH TRADICIONAL PARA UM RH ÁGIL?
Costuma-se dizer que não existem “balas de prata” nem soluções “one size fits all” no que diz respeito aos problemas dinâmicos do mundo empresarial. Tomando isto como verdade, o que os Métodos Ágeis, vindos de IT/Software, poderiam ensinar ao RH? Bem, o bastante para começar, pelo menos: entregar valor rápido, iterar, reunir feedback, e aprender com as entregas feitas.
Basicamente, é disso que trata o Agile Manifesto (agilemanifesto.org). E por verificarem a sua comprovada eficácia, um grupo de entusiastas decidiu seguir um caminho semelhante e elencar, não um aglomerado de práticas e procedimentos mandatórios, mas um conjunto de princípios e valores cujo intuito é servir de Norte a quem quiser iniciar essa jornada: O Manifesto para o desenvolvimento Ágil de RH (www.agilehrmanifesto.org).
Nota-se claramente que o objetivo não é ditar um conjunto de regras a serem seguidas, até porque isto seria a própria antítese do propósito de uma transformação de comportamentos e modelos mentais. O seu intuito é criar um movimento, uma comunidade de colaboração e suporte mútuo, que incentiva a experimentação e a partilha de resultados. É um convite aberto a quem quer que se alinhe nesses mesmos princípios e valores, que assine digitalmente o manifesto e se junte.
Numa linha semelhante de pensamento está o movimento PeopleOps (Pessoas & Operações – www.agilepeopleopsframework.com), mas acreditando que uma transformação mais profunda deve acontecer. Onde Ágil deve ser o caminho para elevar o RH a algo mais holístico e centrado em valores, para que os seres humanos não sejam chamados de recursos – ainda que por força do hábito – e sim valorizados e tratados como a verdadeira vantagem competitiva de uma organização.
O foco do PeopleOps passa por investir de fato no desenvolvimento, no envolvimento e no enriquecimento das pessoas dentro da organização, considerando o ciclo de vida de cada colaborador como uma jornada unificada e integrada, em vez de isolada, e com uma chamada de atenção muito clara às lideranças. Para atingir este objetivo, o grupo baseia-se também num Manifesto de perspetiva global e revela as melhores maneiras de desenvolver uma experiência pessoal envolvente e enriquecida.
Mais do que uma simples interpretação ou adaptação, nota-se que o Manifesto Ágil para PeopleOps tenta romper as barreiras do original Manifesto Ágil (para Desenvolvimento de Software) e pede mudanças intencionais, reivindicando principalmente de líderes e profissionais de RH/PeopleOps uma nova postura.
De acordo com sua visão, os profissionais de um RH Ágil não devem limitar suas ações às capacidades meramente administrativas. Em vez disso, desenvolver conhecimento profundo em pelo menos uma das funções de RH, e habilidades genéricas suficientes para trabalhar em qualquer outra disciplina (chamadas competências em forma de T – do inglês T-shaped professionals).
No que diz respeito às lideranças estas devem abrir mão do controlo, promover autonomia junto às equipas, e construir um ambiente de segurança psicológica que encoraja indivíduos a experimentar e aprender com as falhas. As figuras de autoridade precisam deixar de lado a microgestão e focar nos resultados desejados, em vez de ditar métodos de como a execução deve ocorrer. Ou seja, mais “porquês”, menos “o quê” e “como”; mais propósito, menos comando e controlo.
Segundo os seus experimentos, alguns dos múltiplos benefícios de se implementar o Manifesto e a Metodologia Ágil em RH/PeopleOps serão:
- Maior colaboração multifuncional e co-criação;
- Prioritização e transparência;
- Processos de PeopleOps simplificados e orientados a valor;
- Check-ins regulares e feedback iterativo;
- Cadências regulares e melhoria contínua;
- Experiência humana aprimorada (Human Experience – HX);
E COMO PODE FUNCIONAR UM RH ÁGIL NA PRÁTICA?
Na prática, Scrum e Kanban são dois Métodos Ágeis que podem facilmente ser adaptados para gerir o trabalho em equipas de RH/PeopleOps.
O Scrum é um framework com papéis, eventos e artefactos bem definidos, que possibilita a entrega frequente de valor através do uso de ciclos de trabalho de curta duração chamados de Sprints (entre 1 e 4 semanas), englobando planeamento, execução, inspeção e ajustes. As suas cerimónias promovem foco, colaboração, aprendizagem e resolução rápida de problemas.
Já o Método Kanban, baseado nos princípios Lean e no Sistema Toyota de Produção (TPS) e adaptado para o trabalho do conhecimento, dá ênfase à visualização e gestão de um fluxo de trabalho e na implementação de pequenas melhorias (Kaizen) de forma iterativa e incremental. O uso de quadros kanban físicos ou digitais (com ferramentas como Trello, Planner, Monday, Wrike, etc.) promove uma gestão visual eficaz, melhora a comunicação, a gestão de expectativas e ajuda a resolver conflitos.
Ambos podem ser utilizados na gestão do trabalho em equipas de RH/PeopleOps, tais como: recrutamento, integração, formação, etc. Por exemplo, um especialista em recrutamento pode usar um quadro kanban para definir o processo de integração de novos colaboradores. O quadro pode ter listas/colunas como pré-integração, durante a integração e pós-integração, e cartões para descrever as atividades, como envio de formulários, cronograma de formações, compra de equipamentos, etc).
Desta forma, com a devida cadência estabelecida, uma equipa multifuncional de especialistas em integração, profissionais de TI/operações, recrutadores e outras partes interessadas pode consultar o quadro, visualizar os processos em curso, e ter conversas construtivas sobre como reduzir atrasos, aumentar a produtividade, gerir expectativas e otimizar o fluxo de trabalho.
Para além das metodologias e frameworks há inúmeras práticas comuns num ambiente Agile que o RH/PeopleOps também pode utilizar a seu favor, tais como:
- Pesquisas periódicas de pulso para identificar possíveis insatisfações e suas causas o mais cedo possível, além de pesquisas pontuais para reunir feedback sobre cada um dos processos de RH;
- Técnicas de facilitação colaborativas, como Lean Coffee, World Café, Open Space e Estruturas Libertadoras para discutir problemas e promover soluções;
- Digitalização e automação de processos repetitivos com uso de sistemas de software e ferramentas tecnológicas.
- Promover iniciativas piloto, com uma ótica de protótipo, MVP (Minimum Viable Product) ou mesmo testes A/B, para pequenos grupos de colaboradores em intervalos curtos de tempo, a fim de obter feedback e validação antes (ou em vez) de partir para uma solução global e genérica.
- Mapear jornadas de experiência valendo-se de técnicas do Service Design ou Event Storming para melhor entender contextos e gerar soluções adequadas à sua realidade.
E O QUE PODE CORRER MAL? QUAIS CUIDADOS TER?
Existe uma linha ténue que separa o benchmarking (observação das práticas e métricas dos competidores) do copycat (imitação pura e dura sem analisar contextos). O primeiro é saudável e desejável, o segundo há que ser evitado a todo custo. Antes de implementar qualquer prática, técnica ou solução, deve-se procurar analisar a fundo e entender o próprio contexto e cultura. Boas práticas de uma empresa podem gerar resultados desastrosos noutra.
Outro ponto que se deve ter atenção é não confundir satisfação dos colaboradores com excesso de regalias e benefícios (perks). Mudanças efetivas e resultados duradouros demandam compromisso, dedicação e disciplina. Nada disto é fácil. Para tal, mais vale que as lideranças se esforcem em atingir um propósito e demonstrem transparência e coerência nas decisões do que encher o escritório com consolas de videojogos e snacks gratuitos.
FAMOSAS ÚLTIMAS PALAVRAS…
Por trás de um RH Ágil deve haver uma cultura de foco nas pessoas, autonomia e aprendizagem contínua. Gestores e líderes precisam de ser facilitadores e coaches que capacitem as suas pessoas, lhes dêem espaço para experimentar e falhar, e suportem o seu desenvolvimento com feedback constante e estímulos positivos no caminho para uma visão e missão de longo prazo.
Nesse contexto, o RH/PeopleOps fornece conhecimento e suporte a gestores e colaboradores, trabalhando com eles como parceiros e co criadores de uma cultura saudável e de um ambiente com segurança psicológica. Pois hoje não basta maximizar os lucros dos acionistas ou prover um ótimo lugar para trabalhar, mas deve-se liderar pelo exemplo e influenciar positivamente toda uma sociedade à volta, gerando um legado. Ter e realizar um propósito.
Suleander Zahn
Agile Coach
Descarregue aqui a 17ª Edição da Revista Game Changer