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14 de Abril de 2022

Trabalho Remoto Híbrido, será a melhor solução? – Game Changer 15

A pandemia obrigou empresas por todo mundo a implementar o trabalho remoto, e após quase dois anos de “experiência”, muitas estão a planear um modelo intermédio híbrido que consideram ser o melhor dos dois mundos. À primeira vista parece uma evolução natural, e o melhor formato para todos, só que não é. Antes de avançarmos para uma análise mais à lupa do modelo remoto híbrido vamos definir aquilo que na realidade é, comparando com as alternativas, e depois mesmo dentro do híbrido quais os níveis de profundidade que existem.
MODELO HÍBRIDO VERSUS 100% REMOTO

Numa empresa 100% remota (full-remote) o trabalho remoto é o padrão, não a excepção. Tudo desde reuniões a integração de novos funcionários é sempre organizado de forma remota. Numa empresa híbrida os funcionários estão presencialmente alguns dias da semana e os outros dias trabalham de forma remota onde preferirem, podendo ser em casa ou noutro local qualquer. A gestão de ambientes híbridos requer normalmente mais esforço do que organizações 100% remotas ou 100% presenciais pois há necessidade de ter processos para ambas as situações, mas já lá vamos.

NÍVEIS DE MODELO HÍBRIDO

Modelo “centrado” no escritório físico

Neste caso as reuniões presenciais ainda dominam e a maior parte da comunicação ainda é feita de forma síncrona, com um nível de documentação bastante baixo pois o foco está nos momentos do grupo de pessoas em presença. A expectativa é de que os colaboradores se desloquem grande parte da semana ao escritório, mas tendo alguns dias por mês para trabalhar remotamente. A realidade é que pouco muda em termos de modus operandi da empresa em que existe somente um esforço de dar um bónus ao colaborador, o que é sempre positivo.

Modelo híbrido rígido e definido

Uma empresa que esteja completamente em modelo híbrido já definiu de forma concreta o número de dias semanais e não mensais que os colaboradores estarão remotos e já são implementados alguns procedimentos diferentes para suportar este tempo significativo em trabalho remoto. Algumas reuniões já se realizam de forma remota o que obriga a uma documentação maior e comunicação assíncrona mais eficaz. Tipicamente são semanas de 3 dias no escritório e 2 dias remotos que são pré-definidos consoante as necessidades de cada colaborador.

Modelo “centrado” no trabalho remoto

Aqui sim o trabalho remoto é prioritário e o escritório é só mantido para situações em que o presencial é considerado indispensável, ou para aqueles funcionários que preferem trabalhar dessa forma. A empresa já teve de implementar processos e ferramentas adaptadas a trabalho remoto e assíncrono e grande parte do trabalho é realizado de forma remota. A visão da empresa é essencialmente remota e todas as novas contratações já são realizadas com isso em consideração, reduzindo drasticamente a sua área de escritórios.

VANTAGENS DO MODELO HÍBRIDO

Olhando para os benefícios de um modelo que mistura remoto e presencial temos:

Melhor equilíbrio vida pessoal e trabalho

Ter dias em que não necessitamos de ir ao escritório só pode ser útil para quem precisa de fazer seja o que for durante o horário de trabalho. Não é um dia de folga, mas é um dia que com comunicação assíncrona nos permite resolver uma série de problemas pessoais no nosso dia-a-dia.

Otimizar a produtividade

Com a flexibilidade de trabalhar no escritório ou em casa cada um pode escolher o formato em que se sente mais confortável e capaz de produzir mais e melhor. Não é por acaso que a maior parte dos estudos de produtividade são claros no aumento da mesma em formato de trabalho remoto. Com a liberdade de escolha vem a opção de cada um criar o seu melhor modelo híbrido.

Proteção e saúde

Claro que em tempo de pandemia este fator é extremamente relevante, mas num futuro sem pandemia o bom hábito de protegermos os outros caso estejamos doentes deve ser um novo padrão da nossa sociedade como já existe no Oriente há décadas. Risco de acidente por atropelamento é baixo, mas existe, por isso o risco de trabalho quando trabalhamos em casa é muitíssimo mais baixo do que quando nos temos de deslocar. É uma área ainda em debate em termos de legislação e de seguradoras pois a cobertura de acidentes de trabalho deve cobrir também o trabalho profissional em casa.

Re-localização

Caso o modelo híbrido já seja o mais avançado em que permita por exemplo trabalhar só uns dias por mês no escritório, então mudar a nossa residência para outra localização é uma opção. Quer seja para poupar dinheiro ou para estar num local de preferência mais perto da família. Podemos também falar de re-localização em outros países mas nesse caso já há mais consequências, nomeadamente em termos fiscais.

Mercado de trabalho global

O grande benefício para a empresa, (para além da produtividade) é o poder contratar profissionais de forma mais global. Num modelo híbrido ainda existem algumas limitações em relação a esta possibilidade mas pelo menos já permite aumentar o alcance para regiões próximas do escritório.

Importante referir que a maior parte das vantagens existe para modelos de trabalho híbrido mais avançados, ou seja em que o modelo seja centrado no trabalho remoto e não no escritório. Agora que vamos olhar para as desvantagens é importante ficar claro que mesmo as vantagens só são possíveis com o modelo avançado, pois se o modelo for centrado no escritório a re-localização e a contratação num mercado global deixam de ser possíveis.

DESVANTAGENS DO MODELO HÍBRIDO

Reuniões espontâneas

Quando vivemos num ambiente misto, parte da equipa está no escritório e a outra parte está em casa, e queremos de repente fazer uma reunião com os colegas do escritório o risco de não dar resultado é grande pois, provavelmente, algumas pessoas relevantes não vão estar presentes. E mesmo que se tente contactar os remotos pode ser o caso de não estarem disponíveis naquele momento.

Escritórios não adaptados

Num ambiente híbrido vão surgir imensas reuniões em que parte da equipa está remota e outra está local, e qualquer pessoa que já o tenha feito sabe da imensa dificuldade que é realizar uma reunião neste formato, vai ser confuso e a dinâmica vai ser estranha. Os escritórios não estão pensados para este formato o que requer uma adaptação tecnológica para que seja possível ter reuniões híbridas minimamente eficientes.

Acesso à informação

A não ser que a empresa já tenha processos rotineiros mas obrigatórios de registar toda a informação relevante da empresa como dados, decisões, etc., a probabilidade de quem está a trabalhar remoto nesses dias não ter acesso é muito grande. É necessário uma grande transição de mentalidade e processos para estar pronto para um formato híbrido de trabalho, algo que num ambiente 100% remoto acontece naturalmente.

Desigualdade de carreira

Quando temos colaboradores que passam mais tempo no escritório do que outros que optam por trabalhar mais remotamente é inevitável que os presenciais terão uma conexão maior com os gestores que também estão presenciais. Por isso é que uma das grandes recomendações para estes formatos é de que os gestores trabalhem o mais remotamente possível para não criar a sensação de que quem está remoto está fora do loop. A grande consequência será visível quando chegar a altura de discutir o desenvolvimento de carreira e as promoções.

Desigualdade em produtividade

Por outro lado, alguém que não tem de gastar horas por dia em deslocação e preparação para o escritório tem vantagens em termos de tempo “disponível” para trabalho o que com o tempo poderá criar problemas no ambiente da equipa. Difícil não se sentir privilegiado quando podemos começar a trabalhar sem sair da cama. Longe do ideal, mas a meio do dia já pode ter trabalhado mais tempo que o colega presencial no dia todo.

Má imagem do remoto

Estamos numa fase de grande transição, mas que ainda vai nos primeiros passos, por isso quem trabalha de forma remota é sempre vistocomo um privilegiado ou pior, um “preguiçoso”. Em empresas que têm demasiada flexibilidade vão sempre existir as ovelhas negras das equipas, pois os grandes trabalhadores são aqueles que vão presencialmente para o escritório.

No fundo um ambiente de trabalho em que há condições de trabalho bastante diferentes vai sempre criar assimetrias de opinião que serão sempre difíceis de resolver, quando muito serão mitigadas. Quase que se pode concluir que para ter um modelo híbrido, o melhor seria o menos avançado (modelo centrado no escritório) em que garante condições mais rígidas e igualitárias e dá menos margem para problemas pessoais. Mas claro, com isso perdemos todas as outras vantagens de produtividade e organização que a empresa em trabalho remoto obtém.

100% REMOTO

Está claro pela argumentação já referida que a solução híbrida traz consigo bastantes mudanças e riscos de gestão de equipas e equilíbrio emocional dos colaboradores. Também referi no início, que comparado com os modelos 100% remotos ou 100% presenciais, no modelo híbrido o esforço organizacional é muito maior pois tem de gerir duas realidades e não uma. Podemos estar a falar de um caso em que o melhor de dois mundos pode ser o pior dos dois quando tentamos o modelo híbrido. Então qual é a solução?

A solução é definir um objectivo de curto ou médio prazo para ser uma equipa 100% remota e aproveitar todos os benefícios dessa mudança saltando todas as dores de cabeça do modelo híbrido. Refiro médio prazo, pois períodos de transição híbridos podem ser necessários até atingir a versão final.

Impacto na cultura

Se a preocupação é o impacto negativo que uma transição para remoto pode ter na empresa então os estudos mais recentes mostram precisamente o contrário. Há realmente uma mudança mas que é para o melhor. Um estudo da Gartner revelou inclusive que mais de um terço dos funcionários admitiram que essa mudança foi positiva na cultura da empresa e poucos foram os que assumiram um impacto negativo.

Se começarmos a descascar esse estudo vemos que as empresas que introduziram trabalho remoto no seu funcionamento têm 2,4 vezes mais compromisso com o trabalho e quase 4 vezes mais sensação de se sentirem mais incluídos na dinâmica da empresa. Mesmo em cargos de liderança que têm uma visão de helicóptero da empresa, o relatório foi expressivo na sua visão de uma cultura mais integrada.

Há várias razões apontadas para este fenómeno que contraria o que poderíamos inicialmente imaginar que aconteceria, mas uma delas, para mim, sobressai pois é a que tenho observado de forma mais clara. Quando estamos num formato de distanciamento físico os gestores de equipas tentam criar formas de compensar e integrar mais os colaboradores, algo que quando estamos todos juntos é desvalorizado pois todos achamos que tal acontece naturalmente. Muito provavelmente tal não acontece assim de forma tão natural e as iniciativas de integração remota têm um resultado muito mais eficaz no verdadeiro espírito de equipa empresarial.

Possível para todos?

Será que todas as construtoras de veículos vão conseguir fazer a transição para energias renováveis? Penso que não, e algumas, ou porque são demasiado tradicionais ou não têm as pessoas certas no momento certo para tomar as decisões difíceis de avançar para uma verdadeira revolução da empresa, ficarão pelo caminho. O mesmo será com este mundo remoto, e convêm considerar que se os nossos concorrentes fazem uma mudança que lhes permite aumentar drasticamente a produtividade e contratar pessoas de qualquer ponto do mundo, vamos ver quanto tempo passa até ficarmos obsoletos?

 

João Mendes
Fundador do No Footprint Group

Descarregue aqui a 15ª Edição da Revista Game Changer

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