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11 de Julho de 2025

As Competências também têm prazo de validade? – Game Changer 23

Se hoje desaparecesse a tua função tal como a conheces, o que te manteria relevante no mercado? A pergunta pode parecer exagerada, mas está cada vez mais próxima da realidade. O Future of Jobs Report 2025, publicado pelo Fórum Económico Mundial, revela que quase quatro em cada dez competências consideradas essenciais em 2020 estarão obsoletas até 2030. A narrativa dominante pinta um cenário distópico, alimentando o medo da substituição e o instinto da sobrevivência.

Durante anos, a resposta ao “futuro do trabalho” centrou-se numa corrida às hard skills técnicas: aprender código, dominar dashboards, fazer cursos intensivos de IA generativa. Nada contra, mas a verdade é que, para muitas funções, essas competências têm o prazo de validade de um iogurte. O que hoje é diferenciador, amanhã será automatizado, incorporado em software ou simplesmente irrelevante. O erro não está na aprendizagem, mas na ideia de que a técnica, por si só, garante futuro. A solução não está em correr atrás da última tendência, mas em cultivar aquilo que resiste à passagem do tempo.

É aqui que entram as madskills e as superskills. Não são chavões de moda. São pistas reais sobre o que torna um profissional capaz de navegar, não só sobreviver, num contexto em permanente mutação.

As madskills são aquelas competências inesperadas, híbridas, por vezes “até fora da caixa”, que criam ligações improváveis entre áreas e desbloqueiam abordagens inovadoras. São pessoas que combinam pensamento estratégico com improvisação criativa, que aplicam teatro à comunicação interna ou neurociência à liderança. São a capacidade de improvisar sob pressão, de aplicar conhecimentos artísticos à resolução de problemas, de ligar contextos onde ninguém antes viu ligação. Num mundo onde o diferente se destaca, estas competências tornam-se um diferenciador ímpar.

Já as superskills são as fundações invisíveis que sustentam a adaptabilidade. Falamos de pensamento crítico, empatia, aprendizagem contínua, resolução de problemas complexos, colaboração, ética. Não são “soft”; são tudo menos isso. São o que resiste quando a tecnologia muda. E, ironicamente, são também aquilo que a IA ainda não consegue replicar com autenticidade. São estas competências que
criam profissionais à prova do futuro, porque são elas que continuam úteis mesmo quando tudo o resto muda.

A revolução laboral que enfrentamos exige mais do que requalificação técnica. Exige uma reconfiguração humana. A IA pode ser veloz, mas ainda não tem intuição. Pode processar dados, mas não tem empatia. Pode gerar texto, mas não interpreta silêncio, hesitação ou potencial não óbvio. No meio da aceleração tecnológica, as competências humanas são a verdadeira vantagem competitiva. Não só porque resistem à mudança, mas porque a absorvem, reinterpretam e transformam em valor.

Se olharmos bem, as funções que estão a emergir com mais força no mercado não pedem apenas competência técnica. Pedem visão sistémica, discernimento, capacidade de questionar, de colaborar, de influenciar. Pedem pessoas com coragem para fazer perguntas desconfortáveis e competências para construir novas respostas. Pedem profissionais com capacidade de desaprender, reconfigurar-se e continuar a aprender.

Isto não é uma ode ao “novo RH” nem um manifesto anti-tecnologia. É, sim, um apelo à lucidez. Se queremos equipas preparadas para o futuro, não basta contratar programadores ou fazer formações em ferramentas da moda. É preciso desenvolver contextos onde as madskills não sejam abafadas e onde as superskills sejam reconhecidas, estimuladas e cultivadas como ativos estratégicos.

Porque a verdade é esta: as organizações que vão liderar o futuro não são as que melhor preveem as tendências, mas as que melhor preparam as suas pessoas para se reinventarem a cada ciclo. Isso começa com uma pergunta simples: vamos esperar pela data de expiração ou começar já a construir o que vem depois?

 

Gabriel Augusto,
Diretor-geral, FLAG

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